DR. PAULO ROBERTO SILVEIRA

VIVO DE AJUDAR AS PESSOAS  A AMENIZAREM  OS SOFRIMENTOS  DO CORPO E DA ALMA.

Textos

A ROSA VERMELHA
A ROSA VERMELHA

Ela estava na festa de aniversário de um colega do curso de pós-graduação, do Instituto Deolindo Couto — em Botafogo, no Rio de Janeiro — que havia fechado a boate de um hotel de luxo, na Barra.  Uma morena linda e exótica, de uns 20 a 22 anos, cabelos negros longos e uma rosa vermelha presa à fronte esquerda. Usava um vestido vermelho justo e curto, com uma discreta abertura do lado, que revelava — quase que apenas sugerindo — um belo par de coxas.  O rosto, anguloso e femininamente agressivo, trazia, apenas esboçado, um sorriso agradável e discretamente malicioso, e olhos absurdamente negros e misteriosos, que fascinavam pela hipnótica amplidão de seus espaços infinitos, como se me atraíssem a si mesmos, e exigissem que a eles me entregasse, como quem se entrega a um inebriante e irresistível abismo.
Fascinado, aproximei-me dela. E assim que me movi em sua direção, os olhos estranhamente belos fixaram-se em mim, parecendo dominar-me, e aquele esboço de sorriso abriu-se por inteiro, revelando uma boca grande, bem desenhada e muito sensual, ornada por dentes perfeitos e de uma brancura imaculada. Um perfume delicioso e desconhecido, que se percebia apenas quando mais próximo a ela, terminou por me colocar num estado estranho de consciência, como se dormisse acordado. Não foi sem algum esforço que consegui manter o controle sobre mim mesmo e puxar conversa:
— Olá, tudo bem? — arrisquei, meio sem jeito. Ela apenas acentuou ainda mais o sorriso, sem nada dizer. Aproximei-me um pouco mais e insisti, com um leve inclinar da cabeça:
— Meu nome é Paulo...
— Eu sou Hanah, Paulo, muito prazer — respondeu, estendendo a mão cheia de anéis, a palma virada para cima, como se fosse tomar-me por inteiro.  Puxou-me muito levemente em sua direção, assim que nossas mãos se tocaram, e senti-me outra vez zonzo, por um breve instante, mas reagi o mais rapidamente que pude.
Estranha mulher. Por mais de uma vez, um gesto seu, um olhar, alguma coisa nela me causaria uma vertigem até agradável, embora estranha e imprevista. Em nenhum momento, naquela noite, essa sensação desapareceria totalmente. Se por um lado aquilo me assustava um pouco, por outro me excitava e me atraía mais em sua direção.
— Como é que uma mulher bonita como você está sozinha em uma festa tão incrível? — arrisquei.
— Sozinha? Não estou mais — respondeu sorrindo — Talvez estivesse apenas esperando por você. Por que não me tira pra dançar?
Puxei Hanah para junto de mim e dançamos longamente uma sequência de boleros e sambas-canção que invadiram a noite. A sensação de delicioso torpor aumentou outra vez, e quando dei por mim, roubava um beijo daquela boca linda e sexy. Ela se entregou por inteiro ao meu gesto e devolveu aquilo num beijo longo, a boca de um calor intenso acolhendo-me com voracidade, ao som de mais um bolero antigo. Sem pensar ou conversar muito, puxei-a gentil mas ansiosamente para fora da pista, e nos encaminhamos para um ponto mais discreto, onde nos beijamos intensamente.
— Vamos sair daqui — propus sem pensar.
Hanah olhou-me por um longo instante, como se não estivesse entendendo o que eu falava, e pareceu hesitar. Custei a perceber que ela não estava se sentindo bem. Parecia a ponto de desmaiar e aparentava desorientação.
— Desculpe-me, Paulo — murmurou — Estou esgotada, talvez não devesse ter vindo...
— Você prefere que eu a deixe em casa?
Ela sorriu um sorriso maroto, e passou com suavidade suas unhas longas e afiadas no meu rosto:
— Não, meu querido. Prefiro que você venha comigo. Minha casa é pequena, mas para nós será infinita...
Tudo estava acontecendo rápido demais, mas a noite prometia... Hanah morava “lá pelos lados do Recreio”, como me disse vagamente. Eu dirigia rápido, àquela hora não havia muito trânsito. Mas parecíamos nunca chegar, e aos poucos voltou-me a vertigem do início da noite. Depois de muito rodar, chegamos a uma rua longa, que parecia interminável, mas ao final da qual, segundo ela, estaria o seu endereço. No entanto, mal entramos naquela via, a morena pareceu desfalecer. Parei o carro, assustado:
— Você não acha melhor irmos a um pronto socorro, Hanah? Você está passando muito mal!
— Não, meu querido, não é necessário irmos a um hospital.  Basta que eu passe para trás do carro e descanse um pouco, enquanto chegamos à minha casa.
E assim fizemos. Ajudei-a cuidadosamente a deitar-se no banco de trás. Ela sorriu graciosa, retirou a rosa vermelha dos cabelos e entregou a mim. Agradeci com um beijinho o presente e voltei ao meu lugar, colocando a flor sobre o painel, junto ao volante. Quando me sentei, a tonteira aumentou imensamente e eu tive de aguardar um pouco mais, antes de retomar o caminho e voltar a dirigir, rumo ao final da rua que não tem fim.
Por várias vezes olhei para trás, para ver como Hanah estava. Ela dormia placidamente e aparentava estar bem. Ao chegar, finalmente, ao que parecia ser o final da rua, surpreendi-me. Aquela via aparentemente interminável acabava em uma encruzilhada, e eu estava exatamente no centro dela. À frente e dos lados, nada. Apenas um imenso vazio, cercado de névoas e silêncio. Ainda zonzo e confuso, respirei profundamente algumas vezes, à procura de ar e consciência, enquanto me voltava para minha morena, em busca de orientação. Mas o banco de trás estava vazio. Isso mesmo, vazio! Ela havia desaparecido sem que eu soubesse como. Estupefato, olhei em torno, abri as portas, saí do carro e procurei, sem sucesso, por Hanah.  Fiquei parado naquela encruzilhada não sei por quanto tempo, sem saber o que fazer, ou o que pensar. Confesso que fiquei assustado. Dei a volta e saí dali o mais rapidamente possível. Cheguei em casa e joguei-me na cama, adormecendo pesadamente, sem ter tempo de trocar de roupa ou de pensar sobre o que havia acontecido.
Pela manhã, acordei sobressaltado e desorientado. Sentei-me na cama e tentei pôr os pensamentos em ordem. Inútil. Não consegui. Levantei-me e fui ao banheiro, onde lavei o rosto com água fria e só aí percebi que estava vestido com short e camiseta, que é como dormia normalmente naquela época. Não usava aquela roupa da festa, com a qual pensava ter adormecido, ao chegar em casa, na véspera... Aliás, aquela roupa nem mesmo existia... Meu Deus...Só aí me dei conta de que tudo havia sido um sonho...Um sonho incomum, extremamente vívido, mas... um sonho... Realmente eu havia sido convidado para a festa de meu colega. Mas ela só aconteceria dali a alguns dias. Decepcionado, por um lado, mas aliviado, por outro, me arrumei e saí (estava atrasado para o curso de pós!). Ao entrar no carro, no entanto, senti que alguma coisa não se encaixava, não fazia sentido. Olhei então à frente, e toda aquela minha lógica de poucos minutos atrás esvaiu-se totalmente. Sobre o painel, junto ao volante, repousava soberana e ainda orvalhada, uma magnífica e perfumada rosa vermelha.
PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 12/02/2015


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