O QUE É A DEPRESSÃO ? O MAL DO SECULO?
O QUE É A DEPRESSÃO ? O MAL DO SECULO?
Paulo Roberto Silveira Ex Médico da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro – Subsecretaria de Assistência á Saúde – Centro de Vigilância Epidemiológica – Doenças Não Transmissíveis. Aposentado . Perito Legista – Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro – Departamento Geral de Policia Técnico Científica - Setor de Neurologia Forense – Instituto Médico Legal Afrânio Peixoto Advogado - Direito Médico ___________________________________________________________________________________________________ Introdução A depressão, atualmente conhecida nos meios médicos como “Transtorno do Humor”, é também denominada “o mal do século”, sendo uma das doenças de maior impacto social. Ocupa o quinto lugar em incidência entre os principais problemas de saúde no mundo — atrás apenas das infecções respiratórias, o HIV 3, as doenças do período perinatal e as diarréias. É a primeira das principais causas de incapacitação em todo mundo, à frente da tuberculose, dos acidentes de trânsito, uso do álcool, auto-agressão, transtorno bipolar, guerra, violência, esquizofrenia e anemia ferropriva. A sua prevalência no população mundial é de 6%, atingindo a cerca de 2% a 5% dos brasileiros, o que a torna umas das patologias que mais freqüentemente levam os pacientes ao consultório médico. Muitas vezes a depressão está associada a outras doenças, o que dificulta o diagnóstico da mesma. Muitas de tais dificuldades emanam do próprio paciente: ele evita aceitar a doença, e a considera freqüentemente um “castigo divino”. Em contextos culturais onde predomina o “machismo” , a depressão costuma ser considerada doença de mulher ou de “fresco”. Do lado médico, as dificuldades manifestam-se como: não identificar a doença como depressão, considerá-la muitas vezes como decorrente da própria condição clínica já detectada no paciente, e, enfim, a inexistência de provas laboratoriais para a depressão. Ao procurar o médico o paciente queixa-se de humor deprimido, perda ou ganho de peso, alteração do sono, fadiga , cansaço , perda de interesse pelas coisas, pessimismo, dificuldade de concentração, dificuldades de concentração, pensamentos de culpa ou de morte, sentimentos de ruína, fracasso ou de menos valia. Os fatores de risco mais freqüentes e potencialmente deflagradores do problema são: história familiar, acontecimentos ruins na vida, experiências mal-sucedidas em várias área, sexo, questões raciais, parto e relacionamentos íntimos A depressão é uma das doenças que resultam em grande prejuízo à vida profissional, pois 44% dos pacientes com a doença têm sua capacidade de trabalho comprometida, devido ao absenteísmo. É importante salientar que 11% dos depressivos estão desempregados. Cerca de 50 % dos pacientes não respondem satisfatoriamente ao primeiro tratamento efetuado, 2/3 dos pacientes procuram tratamento médico e, destes, somente 10 % recebem medicamentos adequados . Pacientes com resposta parcial apresentam um risco de recaída 3 vezes maior e risco de recorrência 4 vezes maior. Os fatores negativos mais freqüentes no tratamento da doença são: a) comorbidades psiquiátricas - ansiedade, abuso de substâncias psicoativas como álcool, cocaína, maconha, benzodiazepínicos; características psicóticas do quadro depressivo; aumento de preocupações hipocondríacas e sintomas somáticos; b) comorbidades clínicas - tratamentos anteriores sem resultado e abandono precoce do tratamento, que muitas vezes ocorrem devido a demora do inicio da ação do medicamento ou erro terapêutico; efeitos colaterais múltiplos; posologia incômoda; risco de interações medicamentosas; atenção médica insuficiente — o mesmo podendo acontecer com a atenção familiar — e angústia por interação medicamentosa e prolongamento do tratamento. A depressão preocupa os profissionais de saúde , principalmente aos psiquiatras, pois, em psiquiatria, é umas das doenças que podem matar! Cerca de 15% a 20 % das pessoas depressivas graves realizam condutas suicidas. Destes, 50 % conseguem atingir seu intuito. O perfil básico do depressivo suicida é: sexo masculino, acima de 45 anos, tentativas prévias, plano suicida, perdas recentes, sem religião, eventos similares na família, falta de estrutura familiar, doenças graves e dependência de substancia psicoativa. O humor detectado pode ser normal, exaltado ou deprimido. Uma pessoa normal experimenta uma grande variedade de humores, tem um repertório igualmente grande de expressões afetivas, e sente-se no controle de seus humores e afetos. Os transtornos do humor constituem um grupo de condições clínicas caracterizadas por uma perturbação do humor, uma perda do senso de controle e uma experiência subjetiva de grande sofrimento. Pacientes com humor exaltado demonstram expansividade, fugas de idéia, sono diminuído, auto-estima elevada e idéias de grandeza. Pacientes com humor deprimido demonstram perda de energia e interesse, sentimentos de culpa, dificuldades de concentração, perda de apetite e pensamentos de suicídio. Essas perturbações sempre resultam em comprometimento do funcionamento interpessoal, social e profissional. Os pacientes que sofrem apenas de episódios depressivos maiores têm transtornos depressivos maiores ou depressão unipolar. Os pacientes com episódios maníacos e depressivos são considerados como tendo um transtorno bipolar. A depressão comprende algumas condições clínicas que lhe são mais freqüentemente associadas: a) cormobidades psiquiátricas - transtorno de ansiedade ( TAG, pânico,TOC), alcoolismo, anorexia, demências e esquizofrenias; b) medicamentos - reserpina, propanolol, anticonvulsivantes, hormônios; c) cardiovasculares - insuficiência cardíaca, enfisema, insuficiência renal; d) colagenoses - lupus, artrite reumatóide; e) infecções - mononucleose, influenza, HIV; f) metabólicos- linfoma, pâncreas,SNC, problemas de mama; g) neuropatias - AVC, Mal de Parkinson, epilepsia; h) nutricionais - deficiência de vitamina B12, deficiência de tiamina; i) outras - gravidez, senilidade, cirrose hepática, insuficiência renal. Histórico A depressão tem registros desde a Antigüidade, e descrições da mesma podem ser encontradas em muitos documentos antigos .A história do Rei Saul, no Antigo Testamento, o suicídio de Ájax, na Ilíada de Homero . Por volta do ano 450 a.C, Hipócrates, também conhecido como o Pai da Medicina, usou os termos mania e melancolia para relatar transtornos mentais, que provinham do cérebro. Em 30 A.D, Aulus Cornelius Celsus descreveu a melancolia em seu artigo De Medicina como uma depressão causada pela bile negra, expressão utilizada por vários autores, como Aratacus (120 – 180 A.D.), Galeno (129 –199 A.D. ) e, no século VI, por Alexandre de Tralles. No século XII, Maimonides considerou a melancolia como uma entidade patológica distinta. Em 1686, Bonet escreveu sobre uma doença mental que denominou Melacholicus. Em 1854, Jules Falret descreveu uma patologia denominada Folie Circulaire, na qual o paciente apresentava humores alternados de depressão e mania. Neste mesmo período, Jules Baillarger descreveu a Folie à Doble Forme, em que o paciente tornava-se profundamente deprimido e permanecia em um estado de estupor, recuperando-se depois. Em 1882, Karl Kahlbaum usou a terminologia “Ciclotimia”, e descreveu a Mania e a Depressão como estágios da mesma doença. Em 1896, Emil Kraepelin descreveu o conceito de Psicose Maníaco-Depressiva, em uso até os dias de hoje. Ele propunha que a doença maníaco-depressiva constituía um aspecto genético de transtornos idênticos ao que hoje denominamos transtorno bipolar, depressão maior recorrente, ciclotimia e localizamos em alguns pacientes com distimia. Diferenciou-a também da demência precoce ( esquizofrenia) , pois o grupo que ele denominava de maníaco-depressivo compartilhava um curso periódico ou episódico, um prognóstico relativamente benigno e uma história familiar de transtornos semelhantes. A esquizofrenia , ao contrário, era marcada por um curso crônico, deteriorante e nenhuma história familiar de doença maníaco-depressiva. Kraepelin também descreveu um tipo de depressão que tinha início após a menopausa, em mulheres, e durante a meia idade, em homens. Ele a denominou Melancolia Evolutiva, o que, desde então, passou a ser considerada uma forma variante do humor. Adolph Meyer, que exerceu grande influência durante a primeira metade do século, via os transtornos psiquiátricos como sendo primariamente o resultado de interações entre o indivíduo e o ambiente. Embora ele reconhecesse um papel para a genética e outras contribuições biológicas, seus métodos e ensino ilustravam os fatores psicossociais. Meyer relacionava experiências de vida importantes com o desenvolvimento e expressão da depressão. Em 1957 , Karl Leonhardt ampliou o conceito unitário de Kraepelin. Propôs que a doença maníaco depressiva fosse separada em “bipolar” ( mania e depressão) e “monopolar” (apenas depressão), já que os dois grupos pareciam diferir na história familiar da mania. A proposta foi amplamente aceita, em parte porque o tratamento para os dois grupos é diferente. Epidemiologia A depressão está entre os transtornos psiquiátricos mais comuns nos adultos. A prevalência é de 5% a 6 % na depressão unipolar, sendo que na depressão bipolar é de 1 %. Apesar de a maioria dos pacientes com depressão bipolar serem atendidos por médicos, apenas 50 % são tratados como tendo depressão maior. Alguns levantamentos importantes de incidência: Sexo – duas vezes maior de depressão unipolar em mulheres do que em homens. Na depressão bipolar é igual entre os sexos. Idade – Depressão unipolar pode ocorrer da infância à velhice, porém 50 % dos casos ocorrem entre os 20 e os 50 anos, sendo a idade média de ocorrência em torno dos 40 anos. A depressão bipolar começa mais cedo, variando da infância aos 50 anos, com a idade média de ocorrência em torno dos 30 anos. Raça – A depressão não difere de uma raça para outra. Estado Civil – A depressão unipolar ocorre mais freqüentemente em solteiros, divorciados e separados do que em casados. Algo parecido se dá em com depressão bipolar, com a diferença de que esta é mais evidente em pessoas divorciadas e solteiras. Aspectos Sociais e Culturais- Não existe uma correlação entre o status sócio-econômico e Depressão Unipolar. O mesmo não se dá com o Transtorno Bipolar, pois encontramos uma incidência maior do que a média entre os grupos sócio-econômico superiores; possívelmente pela prática de diagnósticos mais sofisticados ou apurados. O Transtorno Bipolar do Humor pode ser diagnosticado em indivíduos jovens que ainda não terminaram o curso superior, refletindo o início precoce da doença. Etiologia As causas da depressão são desconhecidas ate o presente momento. Mas existem algumas teorias a respeito: Fatores Biológicos: a noradrenalina e a serotonina são os dois neurotransmissores mais envolvidos na fisiopatologia da depressão. Outras considerações neuroquímicas: apesar dos dados não seremconclusivos, os aminoácidos neurotransmissores ( particularmente Gaba) e os pepitídeos neuroativos (particularmente Vasopressina e os Opióides Endógenos) têm sido envolvidos na fisiopatologia de algumas doenças depressivas. Alterações Neuroendócrinas: várias doenças neuroendócrinas têm sido relatadas em pacientes com depressão (diabetes, tireóide-hipotireodismo). Fatores Genéticos: a depressão unipolar e bipolar que ocorrem em famílias são uma concretização do fator hereditário na doença. Isto é mais intenso para a depressão bipolar que para a depressão unipolar. Fatores Psicossociais, acontecimentos importantes e estresse ambiental: alguns acontecimentos importantes exercem um papel primordial na depressão. Alguns estudiosos são mais conservadores, sugerindo que tais acontecimentos importantes têm um papel apenas temporário no início da depressão. Um dos fatores mais evidentes é o de que o acontecimento importante mais associado com o desenvolvimento posterior de depressão seria a perda dos pais antes dos 11 anos de idade. O estresse ambiental mais associado com o início de uma depressão seria a perda de um cônjuge. Fatores de personalidade pré-mórbida : nenhum tipo de personalidade em si mesmo foi estabelecido com sendo predisponente à depressão. Todos os seres humanos, com qualquer padrão de personalidade, podem e tornam-se deprimidos sob circunstâncias apropriadas; porém, certos tipos de personalidade ( oral dependente, obsessivo-compulsiva, histérica) podem ter um maior risco de depressão do que os tipos de personalidade anti-social, paranóide e outros que usam mecanismos diversos de defesa externa, como a projeção, por exemplo. Não há nenhuma evidência de que qualquer transtorno de personalidade esteja vinculado ao desenvolvimento posterior de transtorno bipolar. Entretanto, existe associação entre distimia e ciclotimia, e o desenvolvimento posterior de transtorno bipolar. Anormalidades do Sono: alterações do sono estão entre os marcadores biológicos mais fortes da depressão. Fatores Psicológicos: 1) Segundo Freud - a introjeção ambivalente do objeto perdido provoca os sintomas depressivos típicos, diagnóstico de uma falta de energia disponível para o ego. O superego, incapaz de exercer represálias contra o objeto perdido externamente, passa flagelar a representação psíquica do objeto perdido, agora internalizado no ego com introprojeto. Quando o ego supera ou funde-se com o superego, há uma liberação de energia anteriormente presa aos sintomas depressivos e, como resultado da negação, surge a mania, com os sintomas de excessos típicos da depressão. 2) Segundo Karl Abraham - os surtos patológicos manifestos seriam precipitados pela perda de um objeto libidinal, resultando um processo regressivo no qual o ego retrocede de seu estado de funcionamento maduro para outro, em que predominam os traumas infantis e o estágio oral sádico do desenvolvimento libidinal, devido a um processo de fixação na primeira infância. Heinz Kohut elaborou grandes avanços para psicopatologia do self e para transtorno da personalidade narcisista. Esta é uma das freqüentes considerações de diagnóstico diferencial nos pacientes maníaco depressivos. Os pacientes com transtorno de personalidade narcisista freqüentemente apresentaram períodos transitórios de exaltação e depressão, com grandiosidade e euforia numa fase subseqüente, tal como no transtorno maníaco depressivo clássico. Conclusão Os transtornos afetivos, também conhecidos como depressões, são os distúrbios mentais sérios mais freqüentes e constituem a maior parte dos problemas da maioria dos pacientes ambulatoriais e hospitalizados, dos quais 30 % apresentam algum tipo de transtorno depressivo. Estes transtornos têm servido como modelo e bases para a grande parte da psicopatologia, psicofarmacologia e psicoterapia contemporânea. É importante que as pessoas tenham algum conhecimento sobre a doença e como a mesma se estabelece na comunidade social ou familiar, e o que fazer para evitar suas conseqüências. O impacto social da depressão é tão grave que reduz a produtividade no trabalho e na saúde ocupacional. O resultado vai além, e muito, das faltas ao trabalho. O custo da depressão para a sociedade é comparável às mais graves e incapacitantes doenças crônicas e as melhoras na esfera psicossocial e benefícios secundários à remissão podem ocorrer em seqüência à melhora dos sintomas. O impacto em patologias médicas permite observar-se que a depressão interfere no resultado do tratamento de outras patologias clinicas, agrava a doença de base e diminui a resposta ao tratamento clínico. É importante também reconhecer que ainda não sabemos quase nada sobre a depressão. Devemos estar aptos para as novas revelações que estão por vir. Quem viver verá.
PAULO ROBERTO SILVEIRA
Enviado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 21/05/2009
Alterado em 10/08/2009 Copyright © 2009. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |