07/09/2009 17h29
A GARRAIADA ( OS FORCADOS , FORÇADOS )
A GARRAIADA NA POVOA DO VARZIN
( OS FORCADOS , FORÇADOS ) Naquela manha, de primavera de 4 de outubro de 1969 , quando de mala e cuia, aos 20 anos, tendo a companhia do meu pai, Sr Washington Luiz Silveira Trindade, o meu pai natural de São Gonçalo , Estado do Rio, foi criado pela família da mãe : Isaura Trindade, mas , quando nasci em 22 de março de l949, em Volta Redonda Estado do Rio, meu pai , consertou as coisas e colocou o nome do pai dele, Alvaro Silveira , dai o Silveira, mas ,isto é outra historia; meu pai, também conhecido como "Seu Woston", em frente da minha casa a Rua 58 n 38 esquina com a Rua 33 na Vila Santa Cecília em Volta Redonda, estávamos nos dirigindo para o ponto de ônibus que nos lavaria a Rodoviária com destino ao Rio de Janeiro, onde embarcaria na Praça quinze no navio da Linha C, Eugenio C, que me levaria a Lisboa de onde embarcaria para a cidade do norte de Portugal , Porto, onde iniciaria o curso de Medicina e Cirurgia, na famosa e centenária Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, olhei para traz para me despedir de minha mãe, chorosa e inconsolável , Sra Maria Yolanda de Jesus Silveira, também conhecida como "Dona Mariazinha", e junto dela meus dois irmãos, Marly com a Ana Kiriaty com 1 mês no colo e Humberto, senti um forte aperto no coração e com lágrimas nos olhos e um soluço me entalando na garganta senti que meu pai, percebendo a situação, me puxava pelo braço, e, via ela, e os meus irmãos e sobrinha....impávidos , imóveis , todos chorando muito , mais, a imagem da minha mãe que soluçando e acenando a mão direita dizendo : Vá meu filho, Vá ao encontro do seu sonho e que Deus o guarde e o acompanhe.....Nos te amamos muito.. e não se esqueça de voltar para nós... Esta imagem da minha mãe , dos meus irmãos e depois do meu pai quando do Cais porto , já a bordo do navio , me acessava com um lenço branco, com lagrima nos olhos o via acenando, acenando... , até perdê-lo de vista. Estão até hoje gravados a ferro e fogo na minha retina e no meu coração. Tinha 20 anos, no meu passaporte havia uma autorização do Juizado de Menores para viajem ultramar, a maioridade civil no Brasil e aos 21 anos, e para agravar a situação , nunca havia antes me separado da minha família, melhor dizendo, nunca havia saído de Volta Redonda, era um verdadeiro bicho do mato. Nesta viagem tinha como companhia mais dois colegas com o mesmo objetivo que o meu, o Norberto Pereira que era mais velho tinha 24 anos e morava na Rua 54, e trabalhava como eu na CSN , namorava uma colega minha da LCV a Norma, e o Cláudio Umberto Granato, que tinha 22 anos e morava no Conforto, fora meu colega de ginásio e cientifico, ocupávamos uma cabine de quatro passageiros , tendo como companheiro mais um individuo de nacionalidade portuguesa, que nos custara cento e oitenta dólares para cada, era o menor preço do navio. A viagem transcorreu sem nenhum problema por nove dias, com comida farta, jogos, piscina, muita piscina, e ha os filmes a bordo, a não ser o fato de ter arranjado uma namorada que viajava com a família, logicamente não dava para ficarmos no camarote dela e o fato de estar numa cabine com mais três indivíduos, tinha o inconveniente da falta de privacidade, e , combinamos que ao estarmos com companhia feminina, na cabine, colocaríamos por sobre o vão da porta, que estaria fechada, uma meia masculina é claro!, sinal de não incomode ( Do Not Disturb !). Qual era a minha surpresa que toda as vezes que me dirigia a cabine os "sacanas "colocavam uma meia e o "babaca" aqui respeitava, horas a fio ate perceber que era sacanagem dos três. Talvez inveja de eu ser o único na viagem a ter se dado Bem, pois os dois não pegaram nem resfriado. O importante e que também todas as vezes que eu colocava a meia sobre o portal ,tinha a minha privacidade era respeitada. Ao chegarmos em Lisboa em 13 de novembro de 1969, nos dirigimos ao Embaixada Brasileira, para acertos burocráticos das nossas documentações . Só houve dois problemas, na nossa papelada estava indicando a nossa matricula em medicina na Universidade de Coimbra e não na do Porto, motivo de ficarmos , cerca de três dias , em Lisboa ate que se consertasse a nossa matricula em Medicina agora como queríamos, na Universidade do Porto, e o outro problema era que eu havia esquecido o endereço que me fora fornecido em Vota Redonda, por colega, que , já havia se transferido para o Brasil, o Sylvio Branco, que morava lá pelos lados da Rodoviária de Volta Redonda, que nos deu como primeira referencia de moradia em na nossa estadia no Porto, no endereço contava que da dona de pensão seria Dona Cândida e que era na Rua da Constituição, e, eu tinha , justamente esquecido a porra da indicação do número , não foi a nossa sorte ter encontrado na Embaixada Brasileira, um outro brazuca ( nome que os portugueses chamavam nos brasileiros) , mas nos por vingança os chamávamos de " Kutrucas", que também iria para a pensão da Dona Cândida, a Rua de Constituição ,com tudo resolvido , no dia 16 de outubro de 1969, fomos a Estação Ferroviária de Lisboa e compramos nossos bilhetes para o Porto. E chegamos finalmente na cidade do Porto em Portugal, que para variar estava chovendo. No Porto chove quase todos os dias, mas há controvérsias. Nos dirigimos imediatamente a pensão da dona Cândida onde moraram o Célio Franca filho da Dra Aurea França e o Sylvio Branco, os dois que faziam medicina , eram de Volta Redonda, e ao chegarem no segundo ano se transferiram para Brasil, porem , lá fomos apresentados ao Sylvio Preto , e , fomos direcionados para outro endereços, pois , na Dona Cândida estava com lotação esgotada, fomos imediatamente para os endereços indicados, eu e Cláudio ficamos na pensão da Dona Rosa na Rua Miguel Bombarda onde ficamos de cerca de ano e meio e depois mudamos para a Rua Cedofeita , 640 onde ficamos eu e Claudio nas Águas Furtadas ( sótão ) de meados de 70 a 72 , onde ficamos muito amigo do Caldas que fazia Biologia e o Eugenio Pereira estudante de Engenharia, o Norberto foi para outro lugar em que havia outros Brasileiros : o Flavio e Luiza ambos mineiros, lá para os lados da Lapa. Estes dois Flavio e Luiza estão ate hoje no Porto , são oftalmologistas se não estou enganado. Os brasileiros que estudava na Universidade de Porto, sob os auspícios do Convenio entre Brasil e Portugal, eram na sua maioria de Medicina, mas tinha gente fazendo engenharia, economia, farmácia e outros curso superiores. Iniciamos nossa vida acadêmica com as cadeiras do primeiro ano: Física Médica, Química Medica, Biologia Médica, Anatomia Descritiva. Os portugueses universitário tem o habito de estudar em Cafés, onde fazem a vida estudantil e social. Ó Pá, ( corruptela de rapariga) que gaja ( menina) gira (bonita) ,onde é o café que ela para? O miudo levou duas picas no cú, como berrava de dor.... ( o menino tomou duas injeções na bunda e gritava de dor.) Cuidado que o portugues as vezes não como se parece! O café escolhido por nós foi o Café Guanabara, na Rua Cedofeita, talvez porque o nome lembrava a antiga capital do Rio de Janeiro. O Centro Desportivo Universitário ficava na Rua da Hora, bem pertinho da Miguel Bombarda onde fui me matricular para treinar Judô, e ao saber que o professor um japonês 5° Dan havia retornado para o Japão, ofereci-me para a vaga aberta, sendo contratado como o mais novo professor de Judô do Porto, ganhando 1.000 escudos por mês, depois passei a ganhar 5000 escudos que eu dividia com Cascais outro brasileiro que fazia Engenharia e era faixa marron, uma vez ser faixa preta 1 DAN, era o sensei do Centro Desportivo do Porto, ate me formar em Medicina, situação esta, que realmente mudou a maneira de ser visto pelos colegas portugueses, deixaria de ser o Paulo, o brasileiro (Brazuca) maneira pejorativa de como éramos conhecidos, mas merecíamos, pois também encarnávamos nos nossos pobre colegas portugues só contando as inefáveis piadas de português, mas continuando, para Paulo o Professor de Judô do Centro Desportivo Universitário do Porto, onde toda a Universidade do Porto praticava Esportes, mais tarde daria também aulas de Natação, onde conheci a Maria Lucinda, também conhecida como NINI um grande amor. Nos dias 26 de abril a 3 de maio do ano da Graça de 1970, numa festa Universitária realizada para celebrar o final do Ano Letivo, quando os formandos da Universidade do Porto se despede de sua vida Acadêmica, queimam simbolicamente as fitas inerentes ao Curso Superior efetuado com um livro de couro saindo 6 fitas que significava os anos cursados, a cartola e o anel de doutor da mesma cor e um vestimenta denominada Capa e Batina ( um terno preto imitando a roupa eclesiástica na gola (a batina) e uma capa preta enorme parecendo a do Conde Drácula, e as mulheres usavam a saia preta e a capa negra. O nome da festa e famosa nas três cidades onde haviam as Universidades que em 1970 eram : Lisboa, Porto e Coimbra. As fitas variam a cor de acordo com o curso: a medicina era amarela, a de direto vermelha, de engenharia marron, de farmácia roxa, de licenciaturas gerais era azul escuro, de biologia ,azul claro e assim por diante. Os alunos de outros anos, portavam a pasta de couro com as fitas inerentes aos anos cursados os do quinto ano tinha cinco fitas, os do quarto ano tinham quatro fitas, e assim por diante ate os do primeiro ano que tinham somente uma única e misera fita . Os Calouros tinham apenas um botão da cor do curso que freqüentariam, o nosso é claro era amarelo! E a festa se prorrogava por toda uma semana , culminando com uma festa de garraiada ( garraio: uma espécie de bezerro do touro miura com cerca de meia tonelada!) na Praça de Touros numa cidade perto 15 Km, do Porto denominada Povoa do Varzim, do qual todo os calouros eram intimados a comparecer. Tínhamos uma participação especial para deleite dos formandos da Universidade do Porto, o negócio era o seguinte, lembrava o Coliseu Romano eles (os veteranos) a a nobreza e a população sedenta de sangue nós os calouro ( ai então eu compreendi finalmente o motivo de que éramos obrigados a vir a Povoa do Varzim) éramos os Gladiadores. "Ave César nos que vamos morrer te Saudamos"! Tínhamos que participar de todos os jogos era esse o nosso trote! Vários esquetes em que nos os calouros vestindo a bata branca de médico carregávamos um cara todo pintado de mercúrio cromo quando . tocando uma sirene de ambulância, de repete saia quatro garraios de cada 4 dos portões , sinalizados pelas cornetas de touradas, e eles todos ao mesmo tempo eram soltos e logicamente estavam furiosos, e pesavam cerca meia tonelada cada, soltando fogo pelas ventas e a vantagem era que em vez de chifres ,tinha dois botãozinhos no lugar. Menino a gente soltava o paciente ( era ocara mais magro do grupo ) que de um pulo também se botava a correr, com os garraios em nosso encalço. E era um salve-se que puder!, de um lado para outro aquela loucura,o objetivo era atingir a cerca de cercas de dois metros e ficar equilibrada nela, eram o que nos ensinavam, e orientavam, o motivo, estava la dentro da cercado correndo mais furioso ainda "os pais" eu afirmo os pais machos , dos garraios isto mesmo o Touro Miura a vivo e a cores com dobro do peso e com os chifres afiadíssimos, caçavam sem dó e nem piedade os incautos que achavam ser aquele o lugar mais seguro, o que definitivamente não o eram! menino ! não era mesmo !sim senhor !, para desespero nosso calouros e delírio da multidão..... como no Coliseu Romano ..... E havia vários enquetes......Nos calouros sentados no meio da arena em cadeiras e mesas, fingíamos estar estudando, quando a corneta soava indicando a saída de mais quatro furiosos garraios pelas porteiras, para nossa segurança se podia se falar nessa palavra, eram obrigados a soarem as cornetas anunciando touros digo garraios no pedaço, Menino era correr ou ser impiedosamente atingidos pelas cabeças sem chifres dos furiosos garraio ai entendi o nome de "garraiada" . Nem precisa falar o que acontecia com as pobres cadeiras e mesas eram literalmente reduzidas a pó, pois o miurinhas não se contentavam com as marradas ( chifradas) eles pisoteavam ate não poder mais, vários enquetes sempre com os pobres e infelizes calouros sendo irremediavelmente e implacavelmente perseguidos pelos furiosos garraios, mas ..... como miséria pouca é conversa, o ponto alto ainda estava por vir. Era ....quando fomos obrigados a dar uma de forcados , aqueles toureiros portugueses que pegam o touro a unha , explico : nas touradas portuguesas ao contrário das touradas espanholas o touro não morre, ele é simplesmente pego a unha, e derrubado ao chão , pelos fortíssimos e experientes e famosos forcados, naquele momento me veio a mente o filme Quo Vadis?, onde o escravo forte pra cacete era obrigado a pegar o miura pelos chifres para salvar a mocinha, que fora amarrada numa estaca ao centro da arena, soube que na realidade que quem pegava o touro era um dublê forcado português, e eu logicamente, por ser o professor de Judô, e também conhecido como Sansão ( o apelido de Volta Redonda fora levado por Cláudio e Norberto), naquela época um corpo atlético e campeão Peso Meio Pesado tinha 1,76 e 93 kilos, fui unanimemente eleito o forcado numero Hum, ou seja de um lado o maior do garraios , mais forte, mais bravo e já com um esboço maior de chifres , no lugar dos botãozinhos digamos um Miura, adolescente e do outro uma fila de calouros, todos magrelos e cagando de mêdo , tendo a frente numero hum ou seja o assustado e desesperado que grita: He Touro! He Touro! He Touro! Como os forcados, avançando em direção ao miura olhando firmemente nos olhos, e com corpo arqueado em passos firmes Quando o garraio partia para cima, tinha de retroceder rapidamente e jogando todo o peso do corpo por cima da cabeça do bruto, agarrar o mais forte que pudesse o pescoço num mata leão definitivo ( golpe de luta livre) e fatal, quando os outros saiam de trás e se punha um a segurar o rabo e os outro desesperadamente a empurra aquela montanha de músculos e fúria para o chão, enquanto o objetivo ainda não era conseguido sentia no meu abdômen o calor, a baba e meu Deus como doía as marradas, uma, duas, três, quatro ate que finalmente exausto ele cedia e caia com todos seus quinhentos quilos no chão, tínhamos então que manter a posição do miura adolescente no chão imobilizado como uma luta de Judô, aguardar o soar da corneta quando tínhamos que soltar o bicho e era pernas pra quem te quero, e na direção a cerca salvadora atingir de um único e preciso pulo e o mais importante não se esquecer , repito nunca! se esquecer que lá dentro da baia estava correndo o Pai, Macho e Puto da vida o verdadeiro Touro Miura, negro, mais de uma tonelada de músculos e fúria, e aqueles chifres , meu irmão aqueles chifres verdadeiros e assassinos. E agente equilibrando naquela cerca, e saco meu irmão como doía, mas naquela altura a gente aquentava qualquer dor. Foi o dia em que me tornei um forcado pelas circunstâncias , forçado e pode botar forçado nisso. Para aliviar a tensão fartas doses de vinho do Porto e conhaques e bagaceira muita bagaceira ( uma espécie de cachaça portuguesa de uva menino que fogo dava!) servia para esquentar o frio e aumentar a a coragem.....Quando vejo os calouros sofrerem com toda a resignação e paciência os trotes impostos pelos veteranos, eu me lembro do que passara com o meu trote e digo sem pestanejar esses calouro são sortudos. Ha sim são sortudos mesmo! Norberto Pereira, ficou dois anos, voltando definitivamente para o Brasil onde se casaria com Norma e reataria seu emprego a CSN. Cláudio Umberto Granato e eu continuamos ate nos formamos em julho de1975. Nosso Internato no Hospital Santo Antonio no Largo dos Leões iniciaria em Outubro de 1975, ficando ate janeiro de 1975 quando regressaria para Volta Redonda iniciar o primeiro ano de Residência Medica em Clinica Geral . No ano seguinte ( 1976) mediante concurso me mudaria para o Rio de Janeiro para iniciar a Residência em Neurocirurgia no Hospital Geral do Andaraí. Claudio continuou no Porto e trabalha ate hoje como Medico Hematologista no Hospital Universitário São João, deve estar prestes a se aposentar ou já se aposentou, se casou e teve duas filhas , agora formadas e residem em Barcelona na Espanha. Segundo as más ou boas línguas ,esta rico, o que ele logicamente nega veementemente. Ao retornar ao Brasil definitivamente em janeiro de l976 ao encontrar, agora na casinha comprada no Bairro Aterrado a Rua Sete de Setembro, minha mãe que aos pulos de alegria me recebia aos abraços e beijos bem como meu pai e meus irmãos , pude finalmente murmurar nos ouvidos dela que havia realizado o seu maior desejo, que estava de volta, aos 27 anos e tinha realizado o meu sonho de ser MEDICO. Publicado por PAULO ROBERTO SILVEIRA em 07/09/2009 às 17h29
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